17/06 – Memórias do NPS, novos da Cafetra, Heróis do Mar e experimentação.

(pelo meio perdemos uma emissão, uma na qual não respeitámos ordem nenhuma, se leu poesia e passou coisas bem interessantes desde o primeiro minuto; como não há memória digital, não há memória física também. É uma pena, e esperamos que não volte a acontecer; um agradecimento ainda ao enorme Vítor Rua que samplámos para belo efeito no início do programa. O original está aqui, o primeiro e até agora único episódio de uma eventual experiência no Youtube)

A primeira emissão após o NOS Primavera Sound!

Nos primeiros momentos, recordámos música de Flying Lotus como tentativa de chegar à experiência que foi o seu espectáculo no festival; não estivemos nem perto, mas valeu a pena – e o seu filme Kuso já saiu oficialmente! Ainda em matéria de recordações, e dado que o disco cumpre em 2017 vinte anos de existência, fomos ouvir os Radiohead e uma das várias possíveis canções de Ok Computer. Qualquer uma cumpriria a tarefa mas optámos por Subterranean Homesick Alien; pelo caminho profanámos duplamente a carreira dos Spiritualized: chamámos-lhe Specialized (argolada nº 1) e esquecemos o nome do seu disco que também saiu em 1997 (argolada nº 2, e chama-se Ladies and Gentlemen We Are Floating in Space). Depois avançámos para os Death Grips, um nome que tem ganho cada vez mais destaque nas nossas emissões.

 Nesta emissão, fomos descobrir novos lançamentos da Cafetra Records, casa de Éme Pega Monstro. Deles ouvimos, respectivamente, músicas dos discos Domingo à Tarde Casa de Cima (e este último já pudemos conferir ao vivo). Dois trabalhos com personalidade, representantes do bom que se faz por aqui, em Portugal, neste momento.
Ainda no domínio da música portuguesa, houve resposta ao repto do Gonçalo Costa no último podcast; perguntou-nos se os Heróis do Mar eram ou não o “grupo mais reaccionário do seu tempo”. A resposta veio de um ilustre convidado: Adolfo Luxúria Canibal, um dos maiores da música portuguesa. A qualidade de som não foi a melhor; por isso, recomenda-se que ouçam a intervenção acompanhada da transcrição.

“Não, não considero que os Heróis do Mar fossem o grupo mais reaccionário do meu tempo. Houve um grande equívoco por causa de uma determinada estética que eles utilizaram, nomeadamente uma estética nacionalista, mas em termos do uso dessa mesma estética, e em termos musicais – a forma como procuraram desenvolver a música portuguesa no seu tempo -, revolucionaram muito o que se fazia na época”

“(…) e são nitidamente uma transição entre um grupo que os principais ideólogos de direita mais gostavam (sic?) anteriormente, que eram os Corpo Diplomático, e um grupo que se seguiu aos Heróis do Mar, os Madredeus – e se os enquadrarmos nesse grupo anterior e posterior, vê-se bem que os Heróis do Mar nunca poderiam ser um grupo reaccionário. Foram uma “correia de transmissão” entre estes dois grupos, entre estas duas estéticas, duas formas de desenvolver a música portuguesa e nesse sentido foram também um grupo revolucionário dentro do que se fazia em Portugal e no que se chamava a música moderna portuguesa.”

“(…) por causa da época, finais de 70 e início dos 80, com a revolução de Abril ainda recente e uma esquerda empedernida nos media, nomeadamente no Semanário Se7e, que não conseguia ver para além da cartilha ideológica, o facto de pegarem em símbolos nacionalistas e pegarem numa espécie de pré-ancestralidade do conceito de Portugal, foram apelidados de reaccionários e fascistas e coisas piores, quando isso não tinha nada a ver, e criou polémica mediática e acabou por lhes ficar cravado na testa esse símbolo, embora não correspondesse à verdade.”

A resposta à questão do Adolfo deu pano para mangas e ainda está em período de gestação. Seguimos com os Mler Ife Dada, referência da pop dos anos oitenta portuguesa.
Pela mão da Porto Calling, chegou-nos a música de Jaco Pastorius, baixista dos Weather Report que aqui se apresenta em registo de nome próprio; Portrait of Tracy é um impressionante e íntimo exercício conduzido apenas pelo seu baixo eléctrico.
Até ao final da emissão, aproveitámos os minutos restantes para explorar alguns discos de toada mais experimental e alguns contemporâneos. Os Royal Trux vieram ao Primavera Sound para um concerto de início de tarde; é um arrependimento insanável não os termos visto; de Chino Amobi ouvimos música do seu novo trabalho. Recordámos a música de Mika Vainio, com carreira predominante na área da electrónica e que nos deixou este ano; e despedimo-nos com nova experiência de Aaron Dilloway, do disco Gag File. Uma sequência final irrepreensível! 

1. Flying Lotus – Ready Err Not (You’re Dead!, 2014)
2. Radiohead – Subterranean Homesick Alien (OK Computer, 1997)
3. Death Grips – Takyon (Death Yon) (Ex-Military, 2011)
4. Éme – Tédio (Domingo à Tarde, 2017)
5. Éme – Chá com Mel (Domingo à Tarde, 2017)
6. Pega Monstro – Fado da Estrela do Ouro (Casa de Cima, 2017)
7. Pega Monstro – Cachupa (Casa de Cima, 2017)
Os Heróis do Mar são o grupo mais reaccionário do seu tempo? reflexão sobre os Heróis do Mar e as circunstâncias da sua música, por Adolfo Luxúria Canibal.
9. Mler Ife Dada – Ele e Ela…e Eu (L’Amour Va Bien, Merci, 1986)
10. Jaco Pastorius – Portrait For Tracy (Jaco Pastorius, 1976)
11. Royal Trux – Sice | Bones (Royal Trux, 1988)
12. Chino Amobi – BERLIN (Airport Music for Black Folk, 2017)
13. ø (Mika Vainio) – Hion (Metri, 1994)
14. Aaron Dilloway – Ghost (The Gag File, 2017)

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Alguns discos que recordaremos do ano passado.

Um projecto de rádio que mantenho, ainda que a muito custo e com regularidade parca, obriga-me a acompanhar a música que cada ano nos vai oferecendo. Uma enorme torrente de discos aos quais raramente concedo a atenção devida; infelizmente, o nosso tempo é cada vez mais limitado. Por isso, apresento não um compêndio objectivo e ordenado de discos, cuja relevância se esvanece em comparação com tudo o que faltou ouvir, mas uma lista de trabalhos que me encantaram, embora muito, muito, tenha ficado por ouvir.

Radiohead – A Moon Shaped Pool 

088055831Seria quase herético não mencionar estes britânicos, assumidamente os responsáveis pela minha melomania. Depois de The King of Limbs, este é o segundo álbum que lançam já sendo eu um fã; no âmbito da restante discografia, é o nono. Qualquer que fosse o conteúdo, serial sempre parco quando comparado às altíssimas expectativas que o aguardavam, depois da misteriosa campanha que encetaram, e porque deles sempre se espera o extraordinário. Ouvi-o deitado. “Será disto que eu preciso, um novo disco dos Radiohead?”. Talvez sim. Talvez, até, do rumo que quiseram seguir: Daydreaming, na sua toada minimal e melancólica, define por extensão esta fase da banda, que não se entrega em cruzadas energéticas como os ouvimos em OKC ou HTTT, e dela sobressai um desejo de pausa, de acalmia. Chegámos, com eles, à catarse, como que uma reflexão do que para trás ficou; e contemplamos. É música de cair o pano, banda sonora para o esquecimento, e não a dor, de uma despedida. Fecha-se o ciclo como poucos imaginaram: True Love Waits, a elusiva canção que apenas fora editada no ano de 2001 num disco ao vivo, soa-nos belíssima, e apropriada. Ainda muito ficou por dizer sobre isto; não sei qual será o lugar deste disco daqui a um ano, ou cinco, ou dez; mas é bom tê-lo por cá.

Kero Kero Bonito – Bonito Generation

kkbTodos os motivos para a inclusão deste grupo no melhor do meu ano foram previamente escrutinados, ou aludidos a, num texto anterior, pelo que recomendo essa leitura. Os Kero Kero mantêm inevitáveis afinidades com o colectivo PC Music, e nota-se os traços comuns no à-vontade com que se movimentam na pop e nas suas manifestas contradições. Em suma, tudo neles é delicioso: Bonito Generation é o disco que abrilhanta o nosso dia; a música pop que, com o auxílio de um trampolim imaginário, suspende o nosso imediato e nos põe, qual realidade aumentada, num outro sítio onde nada mais importa. Parece mentira, mas eles são um caso incrivelmente sério, e vale a pena vermos o mundo pelos seus olhos; no sentido contrário, fazem o convite através dos nossos ouvidos. Ao aceitá-lo, transformei um par de semanas deste ano nas mais coloridas de que tenho memória.

Blank Banshee – MEGA 

a0838514060_10A sua identidade é uma incógnita, mas o nome Blank Banshee remete automaticamente para a nebulosa linhagem do vaporwave, um epíteto musicalmente impreciso e cujas ramificações se tornarão mais distintas apenas com o correr do tempo – ainda assim, este produtor sempre actuou na periferia da estética facilista à qual surge frequentemente associado. Em MEGA, soltam-se-lhe as estribeiras e a máquina ganha vida, num ímpeto ora furioso e descontrolado, ora apaziguado em sequências melosas, ainda que esteticamente desconcertantes. É tudo sobretudo uma jornada electrónica, com ecos de trip-hop na sua estrutura musical, em permanente balanço no abismo que atiraria este trabalho para o abstracto; é neste equilibrismo que se evidenciam as afinidades que mantém ao supramencionado vaporwave.

Frank Ocean – Blonde

5f06f7f6Passaram cinco anos desde Channel Orange, o disco que cimentou, em definitivo, o seu nome como um dos valores a seguir na música moderna – e, com ele, a revelação que desde então é indissociável da sua persona artística, em forma de carta para todo o seu auditório: o mundo inteiro. O silêncio seria finalmente quebrado com o lançamento (em streaming!) de Blonde, apenas um dia depois do vídeo-disco Endless, com uma edição física exclusiva que veio acompanhada de uma revista – tudo criado pelo músico. Por tudo isto, Frank Ocean é um caso de estudo, um artista que, talvez apenas rivalizado por Kanye West e bem mais unânime que este, tem o mundo aos seus pés. Blonde reflecte isso mesmo. É um trabalho esquivo, estranho e desconfortável: não o esperávamos tão parco, despido do encantamento instrumental de Channel Orange, tão sozinho sob tão enorme holofote. Ele canta, susurra, e dobra rimas, e mais não fez porque não quis: este é o seu domínio. Muito mais se poderia dizer sobre Ocean. Ouçamos a sua música, e faça-se silêncio: tanto o quis, nestes últimos anos, já o teve, e sob ele já partiu outra vez.

Chuck Person – Chuck Person’s Eccojams Vol. 1 (2016 Remaster)

maxresdefaultEsta é uma pequena batota: o trabalho original data de 2010, mas esta é uma versão remasterizada lançada digitalmente no Bandcamp do autor. Ademais, é perfeito pretexto para lembrar as bases do vaporwave, que muito devem a estes Eccojams, obra de Daniel Lopatin (Oneohtrix Point Never), que actuou sob o pseudónimo Chuck Person. O termo – como já mencionei – alberga uma série de correntes e tropes; aqui, aponta-se à reciclagem de música pop e à sua reapropriação (escangalham-se Fleetwood Mac, os Toto, e Michael Jackson, entre outros), e quando se ultrapassa o nível irónico e de meta-referência, chega-se a uma outra construção, erigida no desconcertante marulhar da música que já não o é, e deixamo-nos ficar. A distinção entre exercício formal e prazerosa experiência reside na vontade de quem ouve; é também devido a essa simultânea dicotomia que o celebro neste top. (PS: em 2011, salvo erro, o músico actuou pertíssimo de mim – não me perdoo a falta de comparência nem a gorada oportunidade de trocarmos palavras).

Kanye West – The Life Of Pablo 

the_life_of_pablo_alternateAs minhas impressões sobre Kanye West poderiam ser as mesmas usadas em Frank Ocean, trocados apenas os “silêncio” por “escarcéu”, “sozinho” cedendo a “por todos rodeado”: são dois artistas extremamente pouco ortodoxos e que fizeram de 2016 um ano bandeira, mas que parecem viver em estados opostos de espírito. Confesso que The Life of Pablo não me convenceu verdadeiramente, transparecendo uma execução aparentemente degraus aquém da ideia original: desde o seu caótico lançamento, foi várias vezes actualizado (com alterações na lista de músicas e nelas próprias – caso inédito?), e surge como uma enorme manta de retalhos. Obviamente, poder-se-á considerar que isto é, também, parte do acto: um disco em constante mutação, obra intangível, reflexo do turbilhão criativo e emocional de quem o pariu. Talvez seja. Talvez não. Mas Kanye já nos pregou a lição: ele não quer saber, e aponta a um limite que está bem além do céu.

Além destes nomes, que resumem brevemente as maiores fixações lançadas neste ano que agora terminou, quero destacar ainda mais alguns trabalhos: Bruno Pernadas, com o seu lançamento duplo que se constrói, com muita liberdade e irreverência, no mundo da música pop (mas não comercial, o que demonstra a enorme diferença entre os dois termos) e do jazz; Alex Zhang Hungtai, músico do extinto projecto Dirty Beaches e que se radicou há uns anos em Portugal, é autor de Knave of Heart, um belíssimo disco de pequenos ensaios ao piano, parcos, minimais, e tingidos por alguns field recordings que servem quase uma função narrativa, é um disco que parece dialogar com Ambient 1: Music for Airports (logo, até, na sua primeira faixa, que alude a uma sala de espera), carregando na herança musical uma emoção que não está presente no disco de Brian Eno; Dean Blunt voltou à carga com dois trabalhos no projecto Babyfather, a continuar a toada misteriosa e desconcertante que marcou a sua carreira até agora; e, por último, Paul Jebanasam e Continuum, um registo experimental e abstracto, absolutamente obrigatório, e que foi indubitavelmente o momento mais alto do SEMIBREVE deste ano.

Para terminar, houve nomes aos quais, por questões de disponibilidade ou esquecimento, não dediquei muita atenção, e por isso omito qualquer opinião (por vezes precipitada) que possa ter sobre estes.

Edição 95 – O cantautor sec. XXI, a conversa com Emanuel Graça, e último de O’Rourke.

A Mosca voltou – e trouxe companhia.

Ainda antes: em semana de Radiohead (a edição 95 estreou à meia-noite de dia 8 (para 9) na Rádio Lisboa), lembrámos a sua complicada-de-assimilar fase do The King of Limbs (2011), ainda que volvidos 5 anos e já não tão heterogénea com o resto da sua discografia. A música que ouvimos, Staircase, lado B de um single conjunto com The Daily Mail, consta num registo lançado no mesmo ano, mas muitos meses depois de The King of Limbs. Hoje, sabemos que não a tocaram ao vivo (nem seria previsível), mas podem escutar aqui uma incrível performance no Saturday Night Live.

Depois, destaca-se o californiano Lucas W. Nathan, que dá corpo a Jerry Paper – segundo o próprio, na sua página do Bandcamp, «Jerry Paper is the entity that inhabits Lucas W. Nathan’s body when he is grooving». Nele encaixámos o epíteto de cantautor do séc. XXI na perfeição. Munido de recortes electrónicos (sintetizadores melosos, batida no perigoso limiar vanguardista/foleiro), escreve e canta a angústia e a adaptação da condição humana à globalização:

Digital precision / More human than human / Tools made of information / help me to be / more than human

Can’t discern / the difference / between the code / and my world

Estas palavras ouvem-se na letra de Chameleon World, incluída no disco Big Pop For Chameleon World (2014). Ainda que absurdamente irónica nas suas intenções, partilha com outras correntes – uma das associações imediatas é o vaporwave – uma certa ingenuidade, como se tudo fosse um planeado embuste para facilitar a assimilação deste novo paradigma de vivência. Não se distingue entre o assertivo ataque crítico e a vontade de eliminar, o mais rápido possível, as linhas entre real e imaginário. Para cimentar esta dúvida, e como tem sido habitual nestas manifestações artísticas, há uma transversalidade na qual se inclui o digital e a informática: o disco complementa-se com um videojogo (que podem encontrar aqui, adaptado a Windows e Mac).

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A sua carreira discográfica conta com nove registos, tendo o mais antigo a data de 2012. É um documento duma metamorfose que não desagua necessariamente em Big Pop: já neste ano, lançou Toon Time Raw! em colaboração com os Easy Feelings Unlimited (já lá vamos)É necessariamente um trabalho diferente, dado que quase nunca a música é atribuída a outra entidade que não Jerry Paper / Lucas W. Nathan.

What are you currently listening to?

Matt [dos BADBADNOTGOOD]: Jerry Paper. It’s really sweet. It’s like the Beach Boys meets Ariel Pink, but with some weird synths. Really neat.

na PrefixMag

Na verdade, os Easy Feelings Unlimited são os BADBADNOTGOOD (I know, right?!); os canadianos, por um qualquer motivo (suspeito que terão achado que a música foge muito ao jazz/hip-hop que lhes conhecemos), preferiram manter uma espécie de anonimato. Deste registo ouvimos Stargazers, que não é necessariamente o ponto de partida ideal, mas é provável que este não exista de todo. É um disco muito eclético (vem à cabeça Mac deMarco, bossa-nova, jazz romântico, etc.). Fica aqui uma pequena introdução à música de Jerry Paper, que será – faço aqui a aposta – um dos nomes a recordar como revisão desta década.

Depois, segue-se a participação do Emanuel Graça (ex-Música sem Merdas) no nosso programa. As suas palavras foram gravadas ainda antes do NOS Primavera Sound, quando lhe pedi algumas sugestões de artistas a não perder. Das cinco que seleccionou – Destroyer, Bardo Pond, Tortoise, Julia Holter, Dinosaur Jr. – ficámos com as três primeiras. Foi o mote para falarmos de um dos primeiros discos dos Destroyer e a distância para trabalhos mais recentes, como o magistral Kaputt (2011); tentámos enfiar o maior número de analogias sexuais possíveis a propósito dos Bardo Pond, e deles ouvimos uma actuação nas John Peel Sessions; e os Tortoise serviram como ponto de partida para mencionar a incrível onda criativa britânica, e o epíteto post-rock sob o qual se tutelaram vários projectos dos anos 80/90 britânicos. Recomendo muito que ouçam este excerto.

Para terminar o programa (e, mais uma vez, muita da música transita para a próxima emissão), ficamos com uma pequena amostra da muito recente colaboração entre dois titãs da música experimental/exploratória: Jim O’Rourke, o versátil músico ex-Gastr del Sol/por-um-breve-período Sonic Youth com Fennesz, mais dedicado à electrónica e aos limites sónicos da guitarra. O trabalho conjunto tem o nome de It’s Hard For Me to Say I’m Sorry, cortesia da Editions Mego.

Voltamos o mais rápido possível – o mundo da música não pára nem espera por nós.

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Como subscrever o podcast.

David Byrne entrevista Thom Yorke, circa In Rainbows.

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Parece bom demais para ser verdade – mas aconteceu. Em 2007, um mês depois do lançamento online (e exclusivo) de In Rainbows, juntaram-se dois titãs da música moderna para uma conversa requisitada pela Wired (sim, essa mesmo; a revista de tecnologia e novas tendências culturais). Como sabemos, este foi um lançamento de proporções inéditas, dada a escala dos Radiohead – na altura, já uma banda de enorme projecção, com Ok Computer Kid A estabelecidos como grandes acontecimentos pela crítica – e foi o primeiro grito, dos muitos que se seguiram, de rebelião contra uma indústria cada vez mais canibal e parasitária com os artistas. Hoje, provavelmente não existiria Bandcamp se a experiência dos britânicos tivesse corrido mal. Pelo contrário, somaram mais dinheiro com In Rainbows do que com os royalties dos anteriores discos, em digital – todos somados.

No entanto, um encontro entre dois tão singulares artistas, e dada a manifesta influência de um sobre o outro – afinal, houve dedo dos Talking Heads no nome para a banda de Yorke -, houve muito a tratar.  Falou-se do processo de composição, e das forças criativas dos artistas. Do que se dá ao público num concerto ao vivo, e o que este devolve em troca, numa permutação ininteligível, mas, segundo ambos, absolutamente real. A perenidade do conceito de álbum, e, um dos meus segmentos favoritos, a importância da música para o Homem. Pode ler-se a transcrição da conversa – e ouvir-se – no link. Para aqui, selecciono apenas alguns excertos, livremente traduzidos (e extensamente profanados) para comodidade do leitor; embora, claro, recomende que se leia a entrevista na íntegra.

Pergunta David Byrne: “[em relação às músicas do In Rainbows] Já as tocaram ao vivo?”

“Sim, todas excepto a “Reckoner”, que foi como um “oh, okay, então vamos adicioná-la à lista” à última hora, porque era mesmo boa. Foi uma das poucas vezes em que foi escrita em cima do joelho, de forma algo inesperada. Uma das ocasiões em que sabíamos que tínhamos encontrado muito bom – nem tivemos tempo para pensar muito no assunto. Simplesmente acontece. E acontece enquanto estamos no estúdio. E vamos tendo imensas ideias e não há realmente tempo para as desmontar. Então, simplesmente acontece. E três dias depois, ouves e pensas “ahm–donde é que isto veio?” E não sabes muito bem se era aquilo que querias ao certo, mas já é demasiado tarde porque todos a adoram.”

O que achas que o público leva de um concerto, que seja diferente do que ouvem no disco? Acho que levam todo o tipo de coisas diferentes – uma delas é simplesmente estarem todos juntos (…) é uma coisa colectiva, parece-me. E, vou dizê-lo, com vocês há uma espécie de introspecção colectiva – algo como, estão todos juntos, então são sociais, mas depois a música é mais…interior. Pelo menos para mim.”

Bem, acho que que há uma vontade colectiva para que isso aconteça. E, depois, obviamente,… no disco é muito difícil evitar aquele sentimento em que todas as notas vão ser escrutinadas, ou tudo o que acontece vai ser re-avaliado, mas isso não acontece ao vivo. Estás de volta, ou voltas à energia original, espera-se, do que escreveste. Mas é um bocado cliché, não é? Se calhar não estamos, de facto, a ir a lado algum…”

Ok – e se é isso que eles recebem – algo que, na verdade, não conseguimos explicar – então o que é que vocês lhes dão?

“Hum – uau. Hmm…”

Bem, como acabaste de dizer, parece que estão a dar, ou melhor, que o público tem uma espécie de vislumbre emocional sobre donde as músicas vieram numa primeira instância. (…) de certa forma, é-lhes permitido experienciar a criação artística.”

“Bom, eu suponho que, como tudo – como com todas as músicas que adoras – é como uma cassete de vídeo, não é? Como um filme dum certo período da tua vida, ou algo assim, que vês outra vez. Como aquele estranho sentimento onde o tempo – há esta cena estranha com o tempo. Se a música ao vivo correr bem, perdes-te no tempo. Estás a pensar no presente, e no passado, e no futuro e etc. – eu tenho isso. Mas recebes toda a tua energia e assim através deles, do público. (…) E tu sabes – tenho a certeza que sabes – quando vais para o palco e sentes – pode ser qualquer pessoa no público. Pode literalmente ser apenas uma pessoa no público, que quer muito que corra mal. E vai afectar-te -“

“- sim. E depois pensas, toca para aquele que quer ouvir“.

“Portanto, o que dás…o que estás a dar – eu não sei. É um concerto, não é? Estás a tocar. Mas, de vez em quando, quando tocas – acontece, por vezes – há aqueles momentos, whoosh, de algo que corre – mas é isso. Não há pior do que, digamos, ir em tour e as coisas correm bem, e as expectativas das pessoas começam a aumentar, e sentes essa pressão – que aconteça algo, esse whoosh. E não vai acontecer. E depois páras.”

Às vezes não acontece – e é apenas preciso esse minuto, ou segundo, ou instante, para acontecer, para confirmar esse “sim!” – um tipo de transcendência, ou o que seja, e depois pode acontecer – e podemos avançar”.

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David Byrne à esquerda, Thom Yorke ao centro, ambos na altura da gravação da conversa.

“O que é a música? O que faz pelas pessoas? O que tiram da música? Para que serve? (…) Para mim, é como uma estranha mistura – é como quando a ouves, como um indivíduo, e a música evoca, ou faz ligações na tua cabeça, neuro-ligações, ou emoções, ou o que seja – que são únicas para ti. É isso.”

“Ela abre alguma coisa, a usar a sua matemática, ou lá o que é. Mas abre algo, a tua consciência – ou o que quer que lhe queiras chamar – e altera o suficiente para que consigas ver além das tuas quatro paredes (…)  quer dizer, os piores momentos na tua vida, pelo menos para mim, é quando não consegues encontrar música que gostes durante, digamos, um ano, ou assim. É tipo – merda! (…) e é bom voltar atrás para as coisas antigas, mas é preciso – e não só quando és músico – ter aquele entusiasmo, de “encontrei algo que diz alguma coisa”, sabes? E, com a música, acontece muito mais rapidamente do que com a arte em geral. Com outro tipo de arte é difícil – não é algo que possas replicar numa revista; não a consegues multiplicar digitalmente duma forma eficaz. Tem a ver com a situação onde está, a tua relação com ela, etc., mas com a música é muito pessoal, e muito fácil de encontrar, e de levar contigo.”

Edição 93 – A amálgama musical dos Stereolab, novo single de Beck, e a irreverência dos Crainium.

Decorrido mais de um mês desde a última edição do podcast, pedimos as devidas desculpas e prestamo-nos à música.

Desta vez, abrimos com o novo single do americano Beck, que pisa terrenos alheios ao que tem feito nos últimos anos. Chama-se WOW – e deixou-nos com elevadas expectativas para o seu próximo disco. Tempo ainda para recuperar um dos pontos altos do concerto de White Fence, em Braga, com uma das músicas do projecto paralelo de Tim Presley: chama-se W-X; e também, claro, a mixtape pela qual tanto aguardámos: Chance the Rapper traz-nos Same Drugs.

O projecto ao qual demos mais destaque nesta hora segue-se: chamam-se Stereolab, vêm de Inglaterra, e são uma das mais entusiasmantes e camaleónicas bandas dos anos 90. No seu repertório constam mais de 10 álbuns de estúdio, mais uma série de EPs (entre eles, umas colaborações com os Nurse With Wound!). Sem entrar em muitos detalhes técnicos, digamos que são uma banda composta por melómanos; só assim se explica a imensa variedade de influências que constam nos seus trabalhos. Ouve-se o drive frenético do krautrock, as inocentes melodias das canções francesas, e as experimentações que sempre pautaram os artistas avant-garde. Destes Stereolab ouvimos 3 músicas, todas de discos diferentes.

E, como não podia deixar de ser, alguém colheu os frutos que os Stereolab plantaram; neste caso em particular, ouvimos os Broadcast, também ingleses, que no início da sua carreira foram sobejamente comparados aos primeiros. Felizmente, souberam usar essas comparações a seu favor e também lançaram óptimos discos. Deles, recomenda-se o disco Tender Buttons (2005).

Porto Calling  convida-nos, desta vez, a ouvir os Lost Themes (2015) de John Carpenter. O realizador também fez, em tempos, alguns trabalhos musicais, de forma a que pudessem complementar os seus filmes (não esqueçamos o filme The Thing (1982), realizado pelo americano). Aqui, ouvimos um ambient tenso, e tenebroso, até.

A entrar na recta final do programa, ficámos com os Gang Gang Dance e uma recordação do seu trabalho Eye Contact (2011). Na altura, foi um disco que não me impressionou muito; à medida que os anos vão passando, gosto de o redescobrir. Vêm a propósito porque alguns dos seus membros integraram um curioso grupo de nome The Crainium, que produz música imprevisível e de longos rasgos de energia. Pode, claro, ligar-se às correntes nova-iorquinas do no wave, assim como, de certa forma, à atitude do free jazz. O disco chama-se A New Music For A New Kitchen (1998).

Para fechar a emissão, não podíamos passar ao lado do novo dos RadioheadA Moon Shaped Pool. Assim sendo, recuperámos a última faixa do seu EP I Might Be Wrong: Live Recordings (2001), que, como o nome indica, consiste em gravações de alguns dos seus concertos. Foi aqui que muitos ouviram, pela primeira vez, a icónica True Love Waits, que os britânicos finalmente gravaram em estúdio. Pela nostalgia, ouvimos a versão original e que há mais tempo nos acompanha.

Estão lançadas as pistas para esta edição do programa. Espero que gostem!

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Como subscrever A Mosca.

Convidados à conversa sobre Radiohead.

Relembrar o momento em que ouvimos, pela primeira vez, aquela música. Do início ao fim, e dado o fim, voltar ao início. A música, e depois o disco. De tanto o fazer, risca-se o CD e o vinil – há que comprar um outro, claro.

Depois, restam os prévios e os próximos, de estúdio e em concerto, de singles a longas durações; subjacente e subentendido, assume-se o compromisso de acompanhar a actividade seus músicos. Oferecemos o nosso tempo e a nossa atenção, e, em troca, apenas a música.

Para hoje, temos três convidados, a quem agradeço a sua disponibilidade e a pronta vontade de participar nesta emissão especial, dedicada aos britânicos Radiohead. Falámos da sua música, do seu significado no panorama musical/comercial da época (desde 1993, com Pablo Honey, até o mais recente The King of Limbs, datado de 2011), e, talvez mais interessante ainda, a importância que a sua música teve na vida de cada um. Temos Tiago Castro, da Rádio Radar e músico com o projecto Acid Acid; Luís Fernandes, integrante dos peixe : avião, activo na electrónica de cariz mais experimental, e responsável pela programação do espaço gnration; e, last but not the least, Márcio Alfama de Freitas, também músico, dos bracarenses Dead Men Talking, com uma interessante passagem pelo jornalismo, e actualmente a cargo da programação cultural da Fnac de Braga e Guimarães.

A conversa é pontuada pela música, de vários discos e distintas fases da carreira dos Radiohead, e pelas diferentes histórias e opiniões dos convidados. Além disso, escolheram, cada um, duas músicas para apresentar. Curiosamente (ou não) há uma maior incidência nos dois álbuns que marcarão, certamente, a música nas próximas décadas.

Mais não posso fazer para vos convencer. Quer gostem, ou não, dos britânicos, há muito para descobrir aqui na nossa companhia.

Este é o segundo programa dedicado aos Radiohead. No primeiro, foi dada atenção a um pouco de cada fase da sua carreira. Além disso, A Mosca, um programa de rádio da minha autoria, está disponível em rss feed e na loja do iTunes, para fácil subscrição.

Espero que gostem!

 

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Especial Radiohead – A Discografia.

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Rejubilemos! Os Radiohead voltam a território nacional no próximo Verão, dia 8 de Julho, ao NOS Alive. Para celebrar a data, preparámos uma semana diferente: primeiro, relança-se o programa gravado há uns meses, quando propus ouvirmos um pouco de cada um dos seus álbuns (sim, Pablo Honey incluído!).

Esta emissão remonta ainda aos programas gravados na Rádio Universitária do Minho, e, por isso, as condições de gravação são diferentes, como também o próprio genérico. Não estranhem!

Em breve – isto é, ainda esta semana, muito em breve – teremos uma segunda emissão especial sobre os britânicos. Sobre isso, mais informação daqui a pouquíssimo tempo (está prometido!)

Espero que gostem. Se não os conhecem, é uma óptima altura para rectificar a situação. No caso de, como eu, já os conhecerem de trás para a frente (“como pratos giratórios”), é sempre uma oportunidade para os relembrar, e comparar clássicos.

Podem deixar, nos comentários, as vossas favoritas. Façam-no!

Eu volto, em breve, com a prometida emissão especial. Mesmo, mesmo, em breve.

Até já!

 

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